o que eu gosto não aconteceu, mas gostei de deitar com a primeira-dama, vocês são de carne e osso.
Atualização: Este conto foi bem recebido aqui no portal Dexam Sabi, o conto mais lido do site, escrito por Mario Loff, veio a ser um livro, intitulado "O Rapto da Primeira-dama", que tambem foi sucesso, que esgotou no mercado.
Ainda me lembro do meu pai dizendo a minha mãe assim. – Sua depravada e desgraçada, e a minha mãe dizendo ao meu pai assim. -seu mal-amado desgraçado, e eles, os dois, diziam um ao outro ao mesmo tempo. - Mas amamos na desgraça e na graça, neles dois conclui que amor é isso mesmo, uma desgraça com a cara de graça a frente de uma felicidade momentânea. Eu hoje não estou aqui, e vou contar o porquê que não estou aqui.
Já que não queres colaborar connosco toma este cálice e beba o conteúdo que está dentro. Tremia a senhora que acabávamos de ter sequestrado, pelo cheiro do perfume dava a sensação de que é uma daquelas mulheres que aparecem na TV as nove da manhã ensinando as senhoras lá de casa a se comportarem na sociedade, a se aprenderem a enfeitar, ficam enchendo a cabeça das nossas senhoras de ideias e depois vem com aquela coisa de VBG perante nós os machos, fico imaginando a minha mãe que passa mais tempo no campo do que em casa, a deixar as suas lides para aprender a usar um tacão alto, a aprender a botar um batão, a frequentar butiques, ou então a consultar o horoscopo e ir ao centro comercial as sete da noite.
A nossa vítima aparenta ter cerca de quarenta a cinquenta anos, fina e linda, isso tenho que admitir, muito bem vestida, ouro puro nas orelhas, a bolça de mão que ela usava sente-se pelo produto do fabrico que é sublinhe, possui um fecho banhado a ouro. Limpamos os dedos, o pescoço, as orelhas e apoderamos de tudo.
Na bolça estava alguns produtos de beleza, também estava um desses últimos telemóveis que saiu e que todos os copos de leite da cidade recebem dos seus pais e eu só olho pela TV, ou quando dou um caso bode com os meus camaradas, não é que estou-me queixando que devia ter essas coisas de mão beijada, mas é que pessoas como eu e o Ak bera, não temos muitas oportunidades de tê-las só com a legalidade dos nossos sacrifícios.
O ak bera é o meu mano que crescemos juntos desde dois anos no meu bairro de Tinta de chapéu, já fizemos tudo o que é possível um bandido fazer, até na cadeia já fomos juntos, não vivemos separados um do outro, a minha mulher também é amiga da mulher dele, convivem maravilhosamente bem, quando mulheres se dão bem com a outra só pode ser a onde não impera a ordem e a lei, e neste caso impera a lei dos bandidos e as mulheres tem este poder. De amar os seus homens mesmo estando no perigo da morte. A mulher do bandido ama na mara, e no perigo que tem o amor.
Quando um não tem, se ajusta ao outro, como disse o intelectual la do bairro, nos ajustamos as nossas pobrezas, e isso só acontece com pessoas que já bateu de frente com a cara da pobreza, mas eu as vezes, ficava a pensar na vida que eu levava assim como o Ak Bera, dava-me vontade de desistir de tudo e arranjar um trabalho, e voltar a escrever os meus poemas e contos.
Gostava muito de ler e escrever, e o meu sonho acabou no dia que eu fui participar num concurso, fiz tanto esforço para sair vencedor e no fim nem apareceu o meu nome na lista final dos participantes.
O concurso era para escrever um conto sobre os nossos bairros, baseando num livro que cada um de nos já tínhamos lido e que não foi esquecido! É mais ou menos nesta linha. O meu conto era sobre os problemas que os jovens da minha geração sofria e ainda sofre, só que eu fazia parte daquilo, eu pratico tudo o que tinha escrito. Fui tão contente e confiante, tinha o livro quase decorado, o livro de Bram Stoker com o título “Drácula”, sempre gostei dessas coisas assustadoras e de suspense, talvez justificasse a tragedia que é a minha vida.
No fundo o meu bairro precisa de um Vam Helsinki contra os sugadores da alma, o Drácula do meu bairro é a cocaína, pedra e bala que mata muito dos meus manos e os meus colegas de infância, e perguntava sempre a mim mesmo se amanha não seria eu ou Ak Bera, o maior Drácula que habitava dentro de mim era o medo de largar tudo e depois sofrer as retaliações de outros grupos, esse era o meu medo, enquanto eu praticava aqueles atos, estava tudo bem, porque contribuía para o sistema e temos os dedos apontados uns aos outros e ficava tudo bem.
Lia tantos livros que não me serviu para nada, até já li o Dante, li aquele grande livro por partes, a parte que mais gostei é da chegada ao inferno, assim como o livro de Blake com o seu matrimónio de céu e do inferno, já faz tanto tempo que lembro tão poucas coisas que aquele livro diz, pelo menos ele não tinha medo de tocar nas coisas sagradas e ele disse: “todas as bíblias ou códigos sagrados foram as causas dos seguintes erros. Que o homem tem dois princípios existentes e reais a saber: o mal e o bem, todas elas estão na alma e no corpo do homem. Bem é para o bem, o mal e o bem estão intimamente juntos e só sabem provocar guerra e paz e um não vive sem a outra, é como a religião e o seu apego aos bens materiais, cada vez que a negam, mais em quantidade conseguem, através das guerras entre povos e nações, nisso valeu a pena ter lido aquele livro que tem o título …. Agora não me lembro … ahn, a viagem de Theo, um bom livro que explica de forma simples a origem de todas as religiões, bom pelo menos aqui na minha terra nos não fundamos nada até hoje. Nada. Alias nos mesmos fomos fundados.
Enquanto me permanecia sentado a fumar e pensando na vida e naquela minha vidinha passada, o Ak bera me chamou.
-Lil notxi, afinal o quê que vamos fazer com a madame? Ela não quer beber o conteúdo!?
Levantei-me e aproximei-me da cadeira onde estava sentada a senhora, estava tão cheirosa dando ideia da real miss perfumada da música de Cesária Évora, perfumada são um perigo. As mulheres. Dava vontade de estar ali curtindo aquele aroma e o seu corpo, mas não gosto da carne das madames da alta sociedade, mas aquela era diferente até no modo de comportar.
Apanhei o copo e voltei a transmitir a senhora para beber o conteúdo de forma devagarinho e sem pestanejar, já tinha passado tanto tempo, já estava quase a amanhecer e era na meia-noite de sábado que amanheceu domingo que sequestramos aquela senhora.
Dotivemos ela na saída de um jantar beneficente num dos bairros ricos da cidade da Praia, ela e o seu carro, com a nossa arma de brinquedo pintado de preto brilhante produzia impressão até num policial frouxo.
-quem são vocês? Perguntou a senhora para nos.
-afinal “ela” fala, disse ak bera. Aquela senhora era deferente de todas as vítimas que tínhamos sequestrado, calma e de olhar sereno. A sua calma dava a sensação de que tinha algum trunfo contra nós, e eu não tenho o hábito de assustar com as pessoas, é que já tinha lido num livro que disse “todos os seres humanos são infinitamente sociáveis, mas, odeiam o seu semelhante”, por isso nenhum ser humano me assusta.
-porquê que vocês não me contam sobre as suas vidas e vos arranjarei a forma de serem melhores do que isso. Continuou ela, falando com toda a superioridade de quem esta por cima, e nos por baixo feito lixo, a forma como ele falava dava esta sensação em cada palavra que ela tirava da sua boca suava o desprezo, o que me irritou é a pena que ela sentia de nós mesmo presa por sentia pena de nos, isso me fez sentir inútil e uma barata sarnento, mesmo sabendo que leio e sou um pouquinho preparado, mas ela me ultrapassou com aquele comportamento, cheguei mais perto dela.
-olha desde que te sequestramos, estamos sendo muito brandos com a senhora, afinal que és tu? Disse com raiva, tirei a arma com fúria, apertei a caneca contra a sua boca obrigando ela a beber o conteúdo. A presença do conteúdo era mais para assustar.
- Bebi porá, bandida de merda, sabes o quê que se encontra nesta caneca, é um veneno, não queremos acabar contigo com a arma de fogo, só queremos que tenhas uma morte serena, beba desgraçada. Este meu comportamento o fez sentir um pouco de medo.
-por favor me digam o quê que precisam e vão sair vivos daqui! Já amanheceu e o barrulho dos carros já se sentia na rua e rádios de alguns comércios vizinhos já estavam a relatar que desapareceu a primeira-dama sem deixar rastro, logo conclui que tínhamos sequestrado a primeira-dama, desta vez, não iriamos sair vivos daquela acção.
-já vos tinha avisado para me libertarem e ficara tudo bem, disse a primeira-dama. Ak bera, sentiu incomodado com a dimensão de que o caso tomava e me convenceu a largar a senhora para fugir. Pois neguei e ak bera fugiu sozinho, no entanto não senti a porta bater quando ele saiu.
-senhora primeira-dama, eu morava na fora, tratamento que vocês daqui de “dentro”, sim vocês da cidade que tratam pessoas que moram e vive no interior, eu sou natural lá de Tarrafal, vim para Praia com sete anos, sou décimo quinto filho de vinte e dois irmão e irmãs, a calça que vestia tinha que trazer logo antes da uma da tarde para o meu outro irmão vestir para poder ir assistir as aulas, a minha bolça de saco servia para comparar pão e para eu e o meu irmão levarmos a escola, já ouve dias que fui despido na frente dos meus colegas por ter roubado uma calça do puto meu vizinho, ele tinha tantos e o que eu tinha roubado uma calça deles que estava rasgado na coxa, e logo pensei que era inútil. Na sala de aula, eu era um bom aluno, mas professora não me via como criança, só olhava a representação do lixo e da porquidão, porque ia a escola mal lavado, por vezes sem sapato, cabelos mal penteados, e dentes amarelados e gostava da filha dela, só pelo olhar dela se apercebia que ela me assassinou milhares de vezes com o odeio que saia no olhar dela, eu era criança não dava conta disso, mas hoje sinto uma revolta quando lembrava daquilo, sentia uma magoa e um grande vazio porque não o culpo e não acho os culpado. Já fui preso várias vezes em São Martinho e a maioria dos jovens como eu já passaram pelas instituições de caridade deste país e concluo que as vezes, nada acontece, e quando acontece é porque querem sempre alguma coisa ao vosso favor.
Senhora a pior humilhação que sofri quando eu era criança, foi quando preparei para um concurso literário e o meu nome nem na lista final saiu, eu amava a literatura, nela eu aprendi a guardar as minhas raivas e frustrações que pessoas como a senhora provoca de forma involuntária, as vezes acho que os meus pais me tinham enviado para este mundo sem querer, e hoje então eu vou morrer, tinha dito para ela de forma decidido.
-achas que é me matando que iras se sentir salvo, então eu vou beber o veneno, disse a primeira-dama me encarando comovida com a minha história que nunca tinha pensado contar à alguém, e ela bebeu o veneno.
-antes de morrer queria te contar uma coisa. Sempre desejei deitar ao lado de um bandido só para sentir se existe alguma adrenalina, só para sentir a segurança que as vossas esposas sentem, queria sentir o ao contrário de fato e gravato e dos pareceres que vos produzem aos milhares, as vezes vocês também nos produzem, e pensamos que somos deuses. Ela me fez sinal para a desamarra-la, eu aproximei dela, e a desamarei, me agarrou na mão, me levou para um canto da casa que tinha um papelão estendido e se estendeu, me pediu para se aproximar e deitei ao lado dela e ela pós a cabeça no meu peito enquanto esperava a morte por envenenamento, senti que ela queria morrer em nome de todas as senhoras da sociedade que pensam que em baixo não tem a pobreza e este é o outro mundo que eles desconhecem. Disse para ela.
-senhora primeira-dama, aquilo não é veneno, não é nada, é só um sumo em dose duplicado, pelo menos vi que não se importa morrer por sentir culpada. Ela me tocou na cara, se levantou e vestiu.
- Gostou de deitar com a primeira-dama? Disse ela, e eu respondi, o que eu gosto não aconteceu, mas gostei de deitar com a primeira-dama, vocês são de carne e osso. -Eu quero entrar em ti de uma outra forma e mais profundo, me dá essa chance! Respondi perguntando. Ela me olhou fixamente vestiu-se com um ar de quem voltou novamente à vida e abandonou aquele local e fui atras dela para o meu espanto vi ak bera baleado na porta, ao me levantar a cara, me atingiram no meio da testa. Hoje estou aqui, a minha alma irá abandonar este mundo e o meu corpo vai ser dado à terra, sem conseguir ser escritor.
Mario Loff
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