Pior do que palavras banais, são os pensamentos nada ingénuos.
"Quando foste racista comigo, numa de amigo brincalhão, eu não importei-me.
Mais que grande amigo, eu te considerei quase irmão, sem nunca dar atenção às diferenças que eram-me invisíveis. Eu era um cego da ingenuidade, igual às crianças, sem noção das coisas.
No meu mundinho, no mínimo vivi sempre entre duas comunidades. Os que me ensinaram a caminhar e os com quem caminhei durante os percursos da vida.
Devido ao conforto familiar, e talvez, porque os meus mais velhos não quiseram que em casa se sentisse a realidade violenta do exterior, eu cresci num mundo com espaço só para amigos. Triste ilusão!
Então, tu acabaste de vez com os meus sonhos antigos, como o de ser um astronauta ou um super herói mágico. Dei-me homem com o desgosto em relação ao presente selvagem.
Mostraste-me que a realidade é aqui. Já nem sei se alguma vez tive permissão social para poder sonhar seja o que for, pois tudo aqui parece estar do teu lado, de uma forma ou outra. Sim, existem "lados", existem "vocês e nós" e "nós e os outros".
Chamaste-me de macaco, depois disseste "é brincadeira", chamaste-me de matumbino, disseste "sabes que somos amigos", chamaste-me de preto, e disseste "é o que és, eu sou branco e não levo a mal". Como se as pessoas não deplorassem e insultassem com as palavras banais.
Pior do que palavras banais, são os pensamentos nada ingénuos. Acredito que no conforto da tua casa, a consciência era a de que a casa é realmente vossa, e que os outros vindos de longe, estão cá de favor e estarão a mais caso a comida não chegue para todos. Eu sou dos outros, né? Na altura, nem sabia.
És filho da terra, e eu, filho do vento que cá chegou. Não vês-me como igual. Vês-te a ti como o dono de todos os pertences que aqui obtenho.
Não tenho voz aqui, pois vocês são alguns e se apoiaram conspirando contra o meu mundinho. Ganhas sempre!
O mundo atual é um poço cheio de pessoas diferentes. Aceito isso! É bonito ver tanta variedade!
Enquanto isso, eu e tu? Talvez continuamos diferentes. Somos a única diferença que não tem nada de estimulante. Somos compostos por "eles e nós", com base na superioridade subjetiva direcionada a ti e os teus. Caso existam reencarnações, sei que nunca aceitarás renascer como eu, ou diferente do que hoje és.
No passado não tive a coragem de te ralhar. Nem senti raiva no momento. Mas senti a descriminação. Apercebi-me ser um impotente objeto de subjugação para intocáveis como tu.
Talvez eu devesse ter sido rígido contigo, alertando-te a cerca do meu incomodo. Mas não o fiz.
Hoje, maduro, certo do caminho em contacto entre as pessoas de todas terras, e certo da humanidade, eu deveria sair dos meus pensamentos para procurar-te, para dialogar contigo. Mas não sei se seria inoportuno nesta tua fase, de agora.
O tempo anda. O tempo passou, e eu agora reflito em coisas que ontem aconteceram e não devem continuar a acontecer hoje, apesar de ainda insistirem em acontecer. Apesar também de ainda serem ignoradas, como eu próprio ignorei antes.
Espero que estejas bem."
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