Tem-se vindo a transformar o Estado de Cabo Verde num autêntico califado, em que prevalece todo o tipo de imoralidade
O ESPECTRO DE UM ESTADO IMORAL
- Por Alcindo Amado (Mindelo)
Tem-se vindo a transformar o Estado de Cabo Verde num autêntico califado, em que prevalece todo o tipo de imoralidade. Instalou-se interesses de grupos bem identificados na sociedade que em pouco tempo se transformaram em poderosos “landlords” herdeiros de grandes fortunas. Só que não herdaram de ninguém. Nasceram e, por muito tempo, viveram com uma mão à frente e outra à trás, sem nunca produzirem nada na vida, e de repente surgiram como ricos de “última geração”.
PARASITAS DE UM ESTADO IMORAL
Nada fizeram durante a vida senão esquemas fraudulentos, nomeadamente negócios lucrativos em que o Estado imoral foi sempre o maior cliente e que, durante décadas, esteve alimentando esses parasitas no sentido de se perpetuarem no poder, ignorando o sofrimento deste povo, cuja vida se transformou num autêntico calvário.
Esses indivíduos sempre gravitaram à volta do poder e, pelas manobras que se tem vindo a notar, nos últimos dias, estão fazendo de tudo para continuarem à sombra do novo poder, recentemente legitimado por este povo habituado a viver de esperança.
Especialistas em camuflar, esses camalhões estiveram por algum tempo em cima do muro, prontos para o salto inteligente. Só que desta vez as coisas não foram fáceis porque esses artistas estavam e estão sendo “acompanhados” milimetricamente, passo por passo.
PODER CORRUPTO
Vejamos os meandros da sina que levou Cabo Verde ao ponto que chegou. O conceito de Estado a pouco e pouco se foi diluindo em função dos interesses instalados. O Poder Central e Municipal foram convertidos em redutos de incompetentes e corruptos de toda a ordem.
EXEMPLOS
Temos exemplos caricatos que convém citar sempre, para que não caem no esquecimento. O projeto “casa para todos”, o maior escândalo de sempre, é neste momento uma grande incógnita. Dos oito mil fogos financiados pelo Governo Português, poderão vir a ser construídos apenas seis mil, porque parte do dinheiro foi desviado para “construir” alguns ricaços. Os TACV entraram em colapso porque os gestores e trabalhadores converteram a empresa num autêntico ”negócio” de família. Das dezenas de milhares de contos, doados aos desalojados de Chã das Caldeiras, não existe um centavo, diz-se. Felizmente receberam algumas cestas básicas. A tão mediatizada “circular do Fogo” ficou pelo caminho.
Por desvendar, e sem se responsabilizar ninguém, o trágico afundamento do n/m Vicente continua um mistério. Os familiares das vítimas aguardam por uma justiça que nãochega. No entanto, a frota de “ferro velho” continua operando entre as Ilhas como se nada tivesse acontecido, mesmo tendo a consciência de que o pior está por vir.
O descalabro em que se encontra as Forças Armadas resultou no sangrento episódio de Monte Txota, sem que ninguém tivesse sido responsabilizado até o momento. Tudo aquilo que começa mal acaba pior. É o caso das Forças Armadas, cujo custo/benefício não se justifica, num microestado como Cabo Verde, que não tem onde cair morto. Se o dinheiro desperdiçado em aquartelar soldados desumanamente, e alimentar a burguesia (elite) das altas patentes fosse empregue para qualificar e equipar a Polícia Nacional, Cabo Verde não estaria na lista dos países mais violentos do mundo.
Em que país a sério um oficial do exército se envolve num esquema de contrafação de notas, envolvendo criminosos estrangeiros, com conhecimento da Polícia Nacional, Polícia Judiciária e do Ministério Público, o individuo não é preso, nem acusado quanto mais julgado. Se ele fosse um zé ninguém que tivesse roubado umas galinhas estaria na prisão. O caso Monte Txota é apenas a ponta do iceberg.
DESCALABRO DA JUSTIÇA
O desencanto generalizado em relação à justiça ”instituiu” um sentimento de impunidade , e a tendência de se fazer a justiça na hora. A investigação criminal não evoluiu pelo facto da polícia científica ter permitido algumas cenas de “inside job” que tem contribuído para desacreditar a Instituição. Nos últimos anos verificou-se uma queda de qualidade nas investigações conduzidas pela polícia científica. O caso mais bizarro foi a operação “Perla Negra”. Até este momento ninguém entende porque razão abortaram a investigação. A detenção dos alegados traficante, a meio caminho, levanta uma série de dúvidas. Numa investigação inteligente, o trajecto da droga nunca é interrompido. Pelo contrário, é milimetricamente seguido até o produto ser entregue ou descarregada no destino. Aí é que se vai deter os verdadeiros envolvidos no crime. Uma vez abortada a operação, como aconteceu em Pedra Rolada, os presumíveis envolvidos, que na cidade aguardavam a chegada da mercadoria, tiveram tempo suficiente para se por em fuga. Será que tudo foi feito intencionalmente? Muitas interrogações persistem.
Seguiu-se à detenção de várias pessoas no local e outros no centro da cidade, isto é fora de flagrante delito. Até hoje paira no ar uma grande dúvida ou seja: quem era de facto o dono da droga e o “mastermind” do crime? Garantidamente que não era o Sr. Alexandre Borges Andrade, como o Tribunal fez crer. A opinião pública é de que ele foi “ingenuamente” colocado na cena do crime, por uma organização inteligente, cuja cabecilha teve tempo suficiente para se por em fuga.
Por outro lado, o julgamento do caso deixou muito a desejar. Pela complexidade e, talvez, ineficácia da investigação, número de acusados, avalanche de testemunhas de acusação e abonatórias, o caso devia ser ouvido por um colectivo de juízes altamente experientes, o que não aconteceu, e que provavelmente poderá ter tido um impacto negativo no julgamento.
A verdade é que em Cabo Verde a justiça não é um direito constitucional, mas sim um produto de “luxo” vendido a um preço fora do alcance da esmagadora maioria dos cabo-verdeanos. Não é por mero acaso que as nossa prisões estão superlotadas de jovens condenados por pequenos delitos, enquanto os verdadeiros criminosos andam por aí à solta. Se o sistema judicial funcionasse em Cabo Verde, dos dezanove mil funcionários públicos, que temos neste momento , pelo menos um terço estaria na prisão por crimes de corrupção, esbanjamento do erário público, tráfico de influência, etc, etc.
Enquanto os verdadeiros delinquentes, disfarçados em servidores do Estado, auferindo salários milionários, são protegidos pelo sistema, centenas de jovens com menos de trinta anos de idade, que nunca tiveram um emprego na vida, são enviados diariamente para as prisões, condenados por crimes de subsistência. Precisamos rever o conceito de execução penal porque os dados estatísticos mostram que 80% dos jovens que são enviados para prisão por pequenos crimes, saem devidamente preparados para o mundo do crime, e rapidamente se institucionalizam. As prisões foram concebidas para punir e, sobretudo, reintegrar o recluso na sociedade. Infelizmente, as prisões tem funcionado como centros especializados em formação de criminosos. Por outro lado, se fizermos um estudo sociológico, verificamos qua a responsabilidade da criminalidade em Cabo Verde deve ser partilhada, na medida em que quase 85% da população prisional é integrada por jovens com menos de 40 anos de idade. Isto que dizer que esses jovens nasceram com Cabo Verde independente, ou melhor, não houve o devido investimento na infância desses jovens. Neste contexto nós todos falhamos, e somos obrigados a aceitar a nossa responsabilidade.
REVER A FORMA DE GOVERNAR CABO VERDE
É nesta base que sempre digo e continuo a dizer que precisamos rever a forma de governar Cabo Verde, resgatar os valores morais e sociais perdidos, de forma a construirmos um legado de virtudes para as gerações vindouras.
Serenamente aguardamos, e temos toda a esperança que o novo Governo tenha a capacidade e, sobretudo, a coragem de meter as coisas nos eixos, de forma que, daqui a cinco ou dez anos, Cabo Verde possa vir a ser um verdadeiro Estado de Direito, como aliás foi projetado, e não neste califado que infelizmente temos.
O habitual abraço de fraternidade a todos, de Santo Antão à Brava.
Mindelo,29-05-16
ALCINDO AMADO
alcindoamado@hotmail.com amadoalcindo@gmail.com
- Por Alcindo Amado (Mindelo)
Tem-se vindo a transformar o Estado de Cabo Verde num autêntico califado, em que prevalece todo o tipo de imoralidade. Instalou-se interesses de grupos bem identificados na sociedade que em pouco tempo se transformaram em poderosos “landlords” herdeiros de grandes fortunas. Só que não herdaram de ninguém. Nasceram e, por muito tempo, viveram com uma mão à frente e outra à trás, sem nunca produzirem nada na vida, e de repente surgiram como ricos de “última geração”.
PARASITAS DE UM ESTADO IMORAL
Nada fizeram durante a vida senão esquemas fraudulentos, nomeadamente negócios lucrativos em que o Estado imoral foi sempre o maior cliente e que, durante décadas, esteve alimentando esses parasitas no sentido de se perpetuarem no poder, ignorando o sofrimento deste povo, cuja vida se transformou num autêntico calvário.
Esses indivíduos sempre gravitaram à volta do poder e, pelas manobras que se tem vindo a notar, nos últimos dias, estão fazendo de tudo para continuarem à sombra do novo poder, recentemente legitimado por este povo habituado a viver de esperança.
Especialistas em camuflar, esses camalhões estiveram por algum tempo em cima do muro, prontos para o salto inteligente. Só que desta vez as coisas não foram fáceis porque esses artistas estavam e estão sendo “acompanhados” milimetricamente, passo por passo.
PODER CORRUPTO
Vejamos os meandros da sina que levou Cabo Verde ao ponto que chegou. O conceito de Estado a pouco e pouco se foi diluindo em função dos interesses instalados. O Poder Central e Municipal foram convertidos em redutos de incompetentes e corruptos de toda a ordem.
EXEMPLOS
Temos exemplos caricatos que convém citar sempre, para que não caem no esquecimento. O projeto “casa para todos”, o maior escândalo de sempre, é neste momento uma grande incógnita. Dos oito mil fogos financiados pelo Governo Português, poderão vir a ser construídos apenas seis mil, porque parte do dinheiro foi desviado para “construir” alguns ricaços. Os TACV entraram em colapso porque os gestores e trabalhadores converteram a empresa num autêntico ”negócio” de família. Das dezenas de milhares de contos, doados aos desalojados de Chã das Caldeiras, não existe um centavo, diz-se. Felizmente receberam algumas cestas básicas. A tão mediatizada “circular do Fogo” ficou pelo caminho.
Por desvendar, e sem se responsabilizar ninguém, o trágico afundamento do n/m Vicente continua um mistério. Os familiares das vítimas aguardam por uma justiça que nãochega. No entanto, a frota de “ferro velho” continua operando entre as Ilhas como se nada tivesse acontecido, mesmo tendo a consciência de que o pior está por vir.
O descalabro em que se encontra as Forças Armadas resultou no sangrento episódio de Monte Txota, sem que ninguém tivesse sido responsabilizado até o momento. Tudo aquilo que começa mal acaba pior. É o caso das Forças Armadas, cujo custo/benefício não se justifica, num microestado como Cabo Verde, que não tem onde cair morto. Se o dinheiro desperdiçado em aquartelar soldados desumanamente, e alimentar a burguesia (elite) das altas patentes fosse empregue para qualificar e equipar a Polícia Nacional, Cabo Verde não estaria na lista dos países mais violentos do mundo.
Em que país a sério um oficial do exército se envolve num esquema de contrafação de notas, envolvendo criminosos estrangeiros, com conhecimento da Polícia Nacional, Polícia Judiciária e do Ministério Público, o individuo não é preso, nem acusado quanto mais julgado. Se ele fosse um zé ninguém que tivesse roubado umas galinhas estaria na prisão. O caso Monte Txota é apenas a ponta do iceberg.
DESCALABRO DA JUSTIÇA
O desencanto generalizado em relação à justiça ”instituiu” um sentimento de impunidade , e a tendência de se fazer a justiça na hora. A investigação criminal não evoluiu pelo facto da polícia científica ter permitido algumas cenas de “inside job” que tem contribuído para desacreditar a Instituição. Nos últimos anos verificou-se uma queda de qualidade nas investigações conduzidas pela polícia científica. O caso mais bizarro foi a operação “Perla Negra”. Até este momento ninguém entende porque razão abortaram a investigação. A detenção dos alegados traficante, a meio caminho, levanta uma série de dúvidas. Numa investigação inteligente, o trajecto da droga nunca é interrompido. Pelo contrário, é milimetricamente seguido até o produto ser entregue ou descarregada no destino. Aí é que se vai deter os verdadeiros envolvidos no crime. Uma vez abortada a operação, como aconteceu em Pedra Rolada, os presumíveis envolvidos, que na cidade aguardavam a chegada da mercadoria, tiveram tempo suficiente para se por em fuga. Será que tudo foi feito intencionalmente? Muitas interrogações persistem.
Seguiu-se à detenção de várias pessoas no local e outros no centro da cidade, isto é fora de flagrante delito. Até hoje paira no ar uma grande dúvida ou seja: quem era de facto o dono da droga e o “mastermind” do crime? Garantidamente que não era o Sr. Alexandre Borges Andrade, como o Tribunal fez crer. A opinião pública é de que ele foi “ingenuamente” colocado na cena do crime, por uma organização inteligente, cuja cabecilha teve tempo suficiente para se por em fuga.
Por outro lado, o julgamento do caso deixou muito a desejar. Pela complexidade e, talvez, ineficácia da investigação, número de acusados, avalanche de testemunhas de acusação e abonatórias, o caso devia ser ouvido por um colectivo de juízes altamente experientes, o que não aconteceu, e que provavelmente poderá ter tido um impacto negativo no julgamento.
A verdade é que em Cabo Verde a justiça não é um direito constitucional, mas sim um produto de “luxo” vendido a um preço fora do alcance da esmagadora maioria dos cabo-verdeanos. Não é por mero acaso que as nossa prisões estão superlotadas de jovens condenados por pequenos delitos, enquanto os verdadeiros criminosos andam por aí à solta. Se o sistema judicial funcionasse em Cabo Verde, dos dezanove mil funcionários públicos, que temos neste momento , pelo menos um terço estaria na prisão por crimes de corrupção, esbanjamento do erário público, tráfico de influência, etc, etc.
Enquanto os verdadeiros delinquentes, disfarçados em servidores do Estado, auferindo salários milionários, são protegidos pelo sistema, centenas de jovens com menos de trinta anos de idade, que nunca tiveram um emprego na vida, são enviados diariamente para as prisões, condenados por crimes de subsistência. Precisamos rever o conceito de execução penal porque os dados estatísticos mostram que 80% dos jovens que são enviados para prisão por pequenos crimes, saem devidamente preparados para o mundo do crime, e rapidamente se institucionalizam. As prisões foram concebidas para punir e, sobretudo, reintegrar o recluso na sociedade. Infelizmente, as prisões tem funcionado como centros especializados em formação de criminosos. Por outro lado, se fizermos um estudo sociológico, verificamos qua a responsabilidade da criminalidade em Cabo Verde deve ser partilhada, na medida em que quase 85% da população prisional é integrada por jovens com menos de 40 anos de idade. Isto que dizer que esses jovens nasceram com Cabo Verde independente, ou melhor, não houve o devido investimento na infância desses jovens. Neste contexto nós todos falhamos, e somos obrigados a aceitar a nossa responsabilidade.
REVER A FORMA DE GOVERNAR CABO VERDE
É nesta base que sempre digo e continuo a dizer que precisamos rever a forma de governar Cabo Verde, resgatar os valores morais e sociais perdidos, de forma a construirmos um legado de virtudes para as gerações vindouras.
Serenamente aguardamos, e temos toda a esperança que o novo Governo tenha a capacidade e, sobretudo, a coragem de meter as coisas nos eixos, de forma que, daqui a cinco ou dez anos, Cabo Verde possa vir a ser um verdadeiro Estado de Direito, como aliás foi projetado, e não neste califado que infelizmente temos.
O habitual abraço de fraternidade a todos, de Santo Antão à Brava.
Mindelo,29-05-16
ALCINDO AMADO
alcindoamado@hotmail.com amadoalcindo@gmail.com
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