Gosto tanto de ti. Mas gosto de ti todos os dias pela rotina, pela forma corriqueira com que levas a tua labuta diária
Palavras de Sofia Rodrigues: Venho por este meio manifestar o meu interesse em partilhar convosco uma carta que escrevi à minha mãe, dois dias antes de completar 29 anos, a história destas cartas, são rotina todos os anos antes de celebrar o meu aniversário e o meu ano novo que considero iniciar-se sempre no dia 10 de Março e não no dia 1 de Janeiro, como tive a oportunidade de partilhar no dia da mulher caboverdeana, perante um público recheado e rico de personalidades, EXmo. Sr Embaixador de Cabo Verde em Portugal Eurico Monteiro, representantes da Associação Maense, e a tão querida Celina Pereira, que mais do que ninguém me incentivou a tornar público esta carta, como tal envio em anexo a carta redigida à minha mãe, mas também a todas as mães caboverdeanas,
um abraço n´alma e desde já um agradecimento pelo interesse que a mesma possa despertar.
Carta à Bernarda
Religiosamente falando, creio que seria pertinente e Deus também iria considerar belo e cheio de Graça que o compromisso entre casais quando juntos no altar quando pronunciam ambos os votos matrimoniais perante o Senhor Padre e todos os presentes, também deveria ser pronunciado pelas Mães perante a enfermeira/parteira, não sei quem é que leva o bebé à mãe, mas diz respeito àquele momento em que a mãe segura pela primeira vez nos seus braços o seu bebé, a continuação expressa e física da sua vida.
Não seria uma ideia pioneira, porque as mães intrinsecamente criam este compromisso com os seus rebentos e é visível, é palpável é animalesco. Sinto que no dia 10 de Março de 1986 pelas 9 e qualquer coisa da manhã, olhaste para mim e disseste: Eu Bernarda, recebo-te Sofia nos meus braços como minha filha do “meio”, prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença todos os dias das nossas vidas.
Que belo não?
O que tenho a dizer é que esse compromisso tem-se concretizado todos os dias da minha vida, da tua vida, da nossa vida.
Com todos os desafios inerentes a uma relação de mãe e filha, que todas nós sabemos que é difícil, pelo menos na maioria dos casos.
Caminhamos juntas, aprendemos uma com a outra, nos momentos mais difíceis unimo-nos e em parte, é obra desse compromisso desse AMOR INQUESTIONÁVEL.
Obrigado por comprares o meu respeito e o meu amor com os teus inúmeros NÃO S. Desde sempre que o teu não foi garantido.
NÃO, porque não tenho dinheiro;
Não, porque não precisas disso;
Não, porque não faz falta;
Não, porque só porque os outros têm, não quer dizer que tenhas de ter;
Não, porque tens comida em casa;
Não, porque se compro para ti, tenho que comprar para vocês todos (4);
Não, porque isso é feio e não é para tua idade;
Não, porque não mereces!
Âh?
E de todos os motivos, este é que me rasgava o coração, fazia-me sentir andar descalça em cima de cacos de vidro. Era devastador. Merecer, nunca foi uma palavra associada a conquistas materiais, mas uma palavra de mão dada com o reconhecimento e valorização pessoal. Merecer para me sentir feliz comigo mesma e não para obter algo em troca. Isto no pico da adolescência não faz sentido, não bate a bota com a perdigota, quer dizer, quando se tem amigas que são parabenizadas com roupas de marca, livros, cd s, ténis da moda, diários pomposos com canetas com penas na extremidade é o fim de qualquer mundo existencial, ainda mais, praticava atletismo e no fim de cada prova em que eu ganhava, recebia um troféu, como reconhecimento e fruto do meu esforço e era uma alegria mostrar aos outros que sou mais rápida que todos, portanto não percebia porque também não poderia ter algo de material como recompensa.
Hoje percebo a importância de um Não, na altura certa, no momento certo e o impacto que irá ter futuramente. As frustrações não me assistem, o não ter é secundário e o SER-SE É
QUE É MÉRITO. Obrigado MÃE.
Obrigado pelo poder precoce de decisão que desde cedo me atribuíste, quando me perguntaste se eu queria ficar contigo ou com o pai, deveria ter 6/7 anos não me recordo, mas sei que estávamos na casa do pai e eu sentada no sofá os dois a olharem para mim e foi essa a escolha que determinou a minha vida. Ficar contigo.
Engraçado, neste momento não houve um não da tua parte, a pessoa detentora da palavra nesta situação redimiu-se e deu-me total poder para decidir o meu futuro. Estava nas minhas mãos e não nas tuas. Obrigado por esta liberdade emocional e esta enorme responsabilidade que tive com essa tenra idade. Se poderia ser tudo diferente, claro que poderia, mas nada se sabe se não arriscarmos.
Mas estou grata por me teres dado essa oportunidade, de eu própria escolher e fazer valer a minha vontade, aqui a palavra MERECER ganha novamente o sentido de valorização pessoal. Eu mereço escolher o que de melhor quero para mim.
Gosto tanto de ti. Mas gosto de ti todos os dias pela rotina, pela forma corriqueira com que levas a tua labuta diária.
Gosto principalmente quando:
- Mesmo sem te aperceberes, só fumas onde estou. Se estou na cozinha, é lá que fumas, se estou na sala é lá que fumas, és demais!
- Quando reclamas sozinha mas indiretamente é para mim, como se eu morasse sozinha e tudo o que desaparece ou está fora do lugar a culpa é da SOFIA.
- Embora não goste muito de Cátia Sofia, gosto mais por não teres escolhido Kátia Diná e agradeço piamente às senhoras/es da Conservatória do Registo Civil não terem aceite Cátia com K pois terias de pagar 21 contos na altura e como sempre não tinhas dinheiro nem sequer para pagar o raio de uma letra, ah!ah! Muito bom.
- Quando me elogias em público, mas mais quando me repreendes em casa.
- De te fazer rir sem noção, em que bates sempre com a mão na boca e dizes não sei o quê a Deus (provavelmente dizes para me perdoar que eu não sei o que digo) à conta das parvoíces que digo.
- Quando fazes anos e o teu quarto parece de uma jovem adolescente, simplesmente porque nesse dia és a filha e eu a mãe e não há collants que fiquem bem e nem batom que brilhe, é o pânico!
- Quando as minhas amigas vêm cá a casa e eu acabo agarrada ao comando da televisão, porque és tu quem as recebes, fazes sala, fazes conversa, tiras dúvidas, dás novidades e finalizas o convívio com cafés da Nespresso.
- Quando telefonas durante o dia e perguntas “tão filhota, tá tudo bem? não dizes nada à tua mãe”.
- Quando vais às compras e trazes mais coisas daquilo que eu gosto do que propriamente a casa precisa.
- De ensinar-te a dobrar pijamas e cuecas em forma de envelope quando achas que só tu dominas o universo da gestão doméstica.
- De te ver nua e perceber que já não estás tão rija e firme como antes, mas depois apareces em cena com uma lingerie e desfilas na sala metes te em cima da mesa de centro, sobes e fazes poses sensuais e eu digo OH MEU DEUS e rimo-nos até doer a barriga.
É disto que gosto e muito mais. Obrigado mãe por me ensinares a ser livre, a seguir os meus sonhos, a ser eu própria, a pensar por mim, a valorizar as pessoas, a confiar.
Estes 29 anos são uma bênção.
Sofia Rodrigues
um abraço n´alma e desde já um agradecimento pelo interesse que a mesma possa despertar.
Carta à Bernarda
Religiosamente falando, creio que seria pertinente e Deus também iria considerar belo e cheio de Graça que o compromisso entre casais quando juntos no altar quando pronunciam ambos os votos matrimoniais perante o Senhor Padre e todos os presentes, também deveria ser pronunciado pelas Mães perante a enfermeira/parteira, não sei quem é que leva o bebé à mãe, mas diz respeito àquele momento em que a mãe segura pela primeira vez nos seus braços o seu bebé, a continuação expressa e física da sua vida.
Não seria uma ideia pioneira, porque as mães intrinsecamente criam este compromisso com os seus rebentos e é visível, é palpável é animalesco. Sinto que no dia 10 de Março de 1986 pelas 9 e qualquer coisa da manhã, olhaste para mim e disseste: Eu Bernarda, recebo-te Sofia nos meus braços como minha filha do “meio”, prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença todos os dias das nossas vidas.
Que belo não?
O que tenho a dizer é que esse compromisso tem-se concretizado todos os dias da minha vida, da tua vida, da nossa vida.
Com todos os desafios inerentes a uma relação de mãe e filha, que todas nós sabemos que é difícil, pelo menos na maioria dos casos.
Caminhamos juntas, aprendemos uma com a outra, nos momentos mais difíceis unimo-nos e em parte, é obra desse compromisso desse AMOR INQUESTIONÁVEL.
Obrigado por comprares o meu respeito e o meu amor com os teus inúmeros NÃO S. Desde sempre que o teu não foi garantido.
NÃO, porque não tenho dinheiro;
Não, porque não precisas disso;
Não, porque não faz falta;
Não, porque só porque os outros têm, não quer dizer que tenhas de ter;
Não, porque tens comida em casa;
Não, porque se compro para ti, tenho que comprar para vocês todos (4);
Não, porque isso é feio e não é para tua idade;
Não, porque não mereces!
Âh?
E de todos os motivos, este é que me rasgava o coração, fazia-me sentir andar descalça em cima de cacos de vidro. Era devastador. Merecer, nunca foi uma palavra associada a conquistas materiais, mas uma palavra de mão dada com o reconhecimento e valorização pessoal. Merecer para me sentir feliz comigo mesma e não para obter algo em troca. Isto no pico da adolescência não faz sentido, não bate a bota com a perdigota, quer dizer, quando se tem amigas que são parabenizadas com roupas de marca, livros, cd s, ténis da moda, diários pomposos com canetas com penas na extremidade é o fim de qualquer mundo existencial, ainda mais, praticava atletismo e no fim de cada prova em que eu ganhava, recebia um troféu, como reconhecimento e fruto do meu esforço e era uma alegria mostrar aos outros que sou mais rápida que todos, portanto não percebia porque também não poderia ter algo de material como recompensa.
Hoje percebo a importância de um Não, na altura certa, no momento certo e o impacto que irá ter futuramente. As frustrações não me assistem, o não ter é secundário e o SER-SE É
QUE É MÉRITO. Obrigado MÃE.
Obrigado pelo poder precoce de decisão que desde cedo me atribuíste, quando me perguntaste se eu queria ficar contigo ou com o pai, deveria ter 6/7 anos não me recordo, mas sei que estávamos na casa do pai e eu sentada no sofá os dois a olharem para mim e foi essa a escolha que determinou a minha vida. Ficar contigo.
Engraçado, neste momento não houve um não da tua parte, a pessoa detentora da palavra nesta situação redimiu-se e deu-me total poder para decidir o meu futuro. Estava nas minhas mãos e não nas tuas. Obrigado por esta liberdade emocional e esta enorme responsabilidade que tive com essa tenra idade. Se poderia ser tudo diferente, claro que poderia, mas nada se sabe se não arriscarmos.
Mas estou grata por me teres dado essa oportunidade, de eu própria escolher e fazer valer a minha vontade, aqui a palavra MERECER ganha novamente o sentido de valorização pessoal. Eu mereço escolher o que de melhor quero para mim.
Gosto tanto de ti. Mas gosto de ti todos os dias pela rotina, pela forma corriqueira com que levas a tua labuta diária.
Gosto principalmente quando:
- Mesmo sem te aperceberes, só fumas onde estou. Se estou na cozinha, é lá que fumas, se estou na sala é lá que fumas, és demais!
- Quando reclamas sozinha mas indiretamente é para mim, como se eu morasse sozinha e tudo o que desaparece ou está fora do lugar a culpa é da SOFIA.
- Embora não goste muito de Cátia Sofia, gosto mais por não teres escolhido Kátia Diná e agradeço piamente às senhoras/es da Conservatória do Registo Civil não terem aceite Cátia com K pois terias de pagar 21 contos na altura e como sempre não tinhas dinheiro nem sequer para pagar o raio de uma letra, ah!ah! Muito bom.
- Quando me elogias em público, mas mais quando me repreendes em casa.
- De te fazer rir sem noção, em que bates sempre com a mão na boca e dizes não sei o quê a Deus (provavelmente dizes para me perdoar que eu não sei o que digo) à conta das parvoíces que digo.
- Quando fazes anos e o teu quarto parece de uma jovem adolescente, simplesmente porque nesse dia és a filha e eu a mãe e não há collants que fiquem bem e nem batom que brilhe, é o pânico!
- Quando as minhas amigas vêm cá a casa e eu acabo agarrada ao comando da televisão, porque és tu quem as recebes, fazes sala, fazes conversa, tiras dúvidas, dás novidades e finalizas o convívio com cafés da Nespresso.
- Quando telefonas durante o dia e perguntas “tão filhota, tá tudo bem? não dizes nada à tua mãe”.
- Quando vais às compras e trazes mais coisas daquilo que eu gosto do que propriamente a casa precisa.
- De ensinar-te a dobrar pijamas e cuecas em forma de envelope quando achas que só tu dominas o universo da gestão doméstica.
- De te ver nua e perceber que já não estás tão rija e firme como antes, mas depois apareces em cena com uma lingerie e desfilas na sala metes te em cima da mesa de centro, sobes e fazes poses sensuais e eu digo OH MEU DEUS e rimo-nos até doer a barriga.
É disto que gosto e muito mais. Obrigado mãe por me ensinares a ser livre, a seguir os meus sonhos, a ser eu própria, a pensar por mim, a valorizar as pessoas, a confiar.
Estes 29 anos são uma bênção.
Sofia Rodrigues
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