Entre uma Copa do Mundo e outra, na meninice e juventude na Cidade da Praia
Um olhar sobre a nossa meninice
QUEM A VIVEU ?
Por Nataniel Silva ( cabo-verdiano residente no Brasil)
“Certa vez, menino ainda em Moinhos de Vila Nova da Cidade da Prai, me levaram a assistir a um jogo da Copa do Mundo pela TV nos limiares do portão do casarão do lendário Hilário Brito no Plateau. Como dizíamos na gíria, o aparelho instalado no teto do salão estava cheio de chuva o que dificultava qualquer esforço de identificação dos jogadores. Entretanto, o simples facto de estar ali reconhecendo no écran um jogador que fosse já teria valido a pena a deslocação a pé de Vila Nova á ‘Riba Praia’ - o Centro histórico da cidade.
Nho Hilário Brito, histórico cidadão praiense, é o patriarca da televisão nas ilhas permitindo ao longo dos tempos a várias gerações de praienses, e não só, a possibilidade de assistirem a grandes jogos de futebol e outros espetáculos ao vivo através do seu estúdio experimental.
O torneio mundial no nosso horizonte era uma miragem em pleno meio dia no deserto de Sahara açoitado pela tempestade de arreia. Imaginávamos a anos luz da constelação de estrelas que de quatro em quatro anos cintilam no firmamento da bola.Há poucos anos, depois do Tunísia 0 / Cabo-Verde 2, quase estivemos aqui no Brasil...Mas os estupores que ainda estão a monte não deixaram...
Respirando futebol, juntamente com outros jovens de Vila Nova da Cidade da Praia, ajudei a fundar a versão crioula da espanhola e basca Real Sociedad. Como num jogo de compadres e entre casados e solteiros num final de semana qualquer num repente criava - se várias equipas de ‘Xuxadera’ como “Os Kabali”, "Kuali Kuali", “Arroz ku Porko”... ‘Secávamos péli’ por debaixo do sol escaldante das ilhas e jogávamos pela tardezinha ‘ti sukuru fitxa’. Os campos pelados estavam por toda parte. Só recentemente o manto verde se tornou uma realidade. De um par de anos para cá os nossos principais recintos desportivos receberam relva sintética e luz elétrica.
Entre uma Copa do Mundo e outra, na meninice e juventude na Cidade da Praia, íamos dar comida aos porcos nas pocilgas de Lém Cachorro e Pensamento, tresnoitávamos, íamos a baptizados de bonecas, ‘rusgávamos’ festas, brincávamos ‘Txuskéma’, ‘Sukundida’, ‘Mamai ku Papai’, ‘Ndoli - Ndoli’, ‘Silimbiki Nbiki’, corríamos arco, pedíamos a benção aos ‘más grandi’, íamos comprar - lhes ‘tabáku’ e ‘loro’, ordenhávamos as cabras e as vacas...
...fazíamos ‘Mbipu’ para capturar corvos e falcões, “inventávamos rádios” que ficavam literalmente no ar com uma caixa de fósforo vazia e um ‘fonfon’ [espécie de besouro] preso pelo pescoço, ilhávamos milho, ‘nicávamos’ as guloseimas‘, ‘corcotíamos’ a panela, ‘rukutíamos’ as compras pelo caminho da loja até á casa e quando a comidinha escasseava, discretamente, cada qual ia ‘censear’ um ‘koxi’ nas casas alheias e ninguém levava a mal [de certa forma isto fazia parte da duríssima realidade das ilhas!], íamos ao Campo Grande [Estádio da Várzea] ver os jogos, em grandes grupos escutávamos os relatos dos jogos de futebol em Portugal...
...pilávamos com os nossos bois que tem compasso’ e na ‘rabadidja morna riba txon di massa pé’ pela terra ‘bufa-bufa’ fomos crianças sim senhor e, apesar de tudo, éramos felizes e, se calhar, nem sabíamos. Cabo - Verde parecia a milhões de anos luz de participar de uma Copa do Mundo, mas como país conservávamos ainda os “três vinténs” da pureza e MORABEZA!
Vivendo no Brasil a terra mítica do futebol trabalhei como monitor em Escolas de Futebol na Bahia e em São Paulo.Sofro imensamente pela Associação Académica da Praia, Clube Regatas Flamengo e pelo Sport Lisboa e Benfica.Sou um adepto quase doente dos “Tubarões azuis” e, acima de tudo, amo e respeito o futebol como modalidade desportiva e quem o pratica e o dirige com lealdade! fonte:ok
QUEM A VIVEU ?
Por Nataniel Silva ( cabo-verdiano residente no Brasil)
“Certa vez, menino ainda em Moinhos de Vila Nova da Cidade da Prai, me levaram a assistir a um jogo da Copa do Mundo pela TV nos limiares do portão do casarão do lendário Hilário Brito no Plateau. Como dizíamos na gíria, o aparelho instalado no teto do salão estava cheio de chuva o que dificultava qualquer esforço de identificação dos jogadores. Entretanto, o simples facto de estar ali reconhecendo no écran um jogador que fosse já teria valido a pena a deslocação a pé de Vila Nova á ‘Riba Praia’ - o Centro histórico da cidade.
Nho Hilário Brito, histórico cidadão praiense, é o patriarca da televisão nas ilhas permitindo ao longo dos tempos a várias gerações de praienses, e não só, a possibilidade de assistirem a grandes jogos de futebol e outros espetáculos ao vivo através do seu estúdio experimental.
O torneio mundial no nosso horizonte era uma miragem em pleno meio dia no deserto de Sahara açoitado pela tempestade de arreia. Imaginávamos a anos luz da constelação de estrelas que de quatro em quatro anos cintilam no firmamento da bola.Há poucos anos, depois do Tunísia 0 / Cabo-Verde 2, quase estivemos aqui no Brasil...Mas os estupores que ainda estão a monte não deixaram...
Respirando futebol, juntamente com outros jovens de Vila Nova da Cidade da Praia, ajudei a fundar a versão crioula da espanhola e basca Real Sociedad. Como num jogo de compadres e entre casados e solteiros num final de semana qualquer num repente criava - se várias equipas de ‘Xuxadera’ como “Os Kabali”, "Kuali Kuali", “Arroz ku Porko”... ‘Secávamos péli’ por debaixo do sol escaldante das ilhas e jogávamos pela tardezinha ‘ti sukuru fitxa’. Os campos pelados estavam por toda parte. Só recentemente o manto verde se tornou uma realidade. De um par de anos para cá os nossos principais recintos desportivos receberam relva sintética e luz elétrica.
Entre uma Copa do Mundo e outra, na meninice e juventude na Cidade da Praia, íamos dar comida aos porcos nas pocilgas de Lém Cachorro e Pensamento, tresnoitávamos, íamos a baptizados de bonecas, ‘rusgávamos’ festas, brincávamos ‘Txuskéma’, ‘Sukundida’, ‘Mamai ku Papai’, ‘Ndoli - Ndoli’, ‘Silimbiki Nbiki’, corríamos arco, pedíamos a benção aos ‘más grandi’, íamos comprar - lhes ‘tabáku’ e ‘loro’, ordenhávamos as cabras e as vacas...
...fazíamos ‘Mbipu’ para capturar corvos e falcões, “inventávamos rádios” que ficavam literalmente no ar com uma caixa de fósforo vazia e um ‘fonfon’ [espécie de besouro] preso pelo pescoço, ilhávamos milho, ‘nicávamos’ as guloseimas‘, ‘corcotíamos’ a panela, ‘rukutíamos’ as compras pelo caminho da loja até á casa e quando a comidinha escasseava, discretamente, cada qual ia ‘censear’ um ‘koxi’ nas casas alheias e ninguém levava a mal [de certa forma isto fazia parte da duríssima realidade das ilhas!], íamos ao Campo Grande [Estádio da Várzea] ver os jogos, em grandes grupos escutávamos os relatos dos jogos de futebol em Portugal...
...pilávamos com os nossos bois que tem compasso’ e na ‘rabadidja morna riba txon di massa pé’ pela terra ‘bufa-bufa’ fomos crianças sim senhor e, apesar de tudo, éramos felizes e, se calhar, nem sabíamos. Cabo - Verde parecia a milhões de anos luz de participar de uma Copa do Mundo, mas como país conservávamos ainda os “três vinténs” da pureza e MORABEZA!
Vivendo no Brasil a terra mítica do futebol trabalhei como monitor em Escolas de Futebol na Bahia e em São Paulo.Sofro imensamente pela Associação Académica da Praia, Clube Regatas Flamengo e pelo Sport Lisboa e Benfica.Sou um adepto quase doente dos “Tubarões azuis” e, acima de tudo, amo e respeito o futebol como modalidade desportiva e quem o pratica e o dirige com lealdade! fonte:ok
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