É um agitar por dentro pelo feeling dos instrumentos e ao mesmo tempo ter que conter as emoções para que tudo possa estar em harmonia.
Valdir enviou para Dexam Sabi esta mensagem...
Reflexão sobre o nosso género musical funaná lento, em relação a música Bela do Djodje!
Cara ou Coroa
Caríssimos,
Antes de mais quero mandar um abraço musical daqui de Cabo Verde para o mundo!
Foi com uma enorme sensação de “volta na tempo” com um toque moderno que ouvi a música BELA de DJODJE MARTA, um nome que já não será esquecido pelos amantes da música no mundo Lusófono. Um artista que todos seguimos de perto a sua evolução e que soube conquistar o seu lugar no panorama musical dos PALOP. Mas não é do DJODJE que eu vos vou falar porque este dispensa apresentações, apesar de nos surpreender com o seu talento sempre que faz um novo lançamento.
Como vos disse, o motivo deste meu post é outro e incide exatamente no género musical que tem mexido e surpreendido muitos amantes da música dos PALOP. Género esse que emprestou a base para a música BELA, que faz jus ao nome e muitas outras belas composições e nunca dececiona os ouvidos dos seus ouvintes. Já foi confundido com SEMBA, já foi confundido com KIZOMBA, mas ele é único, ele é a raiz, é a base, é o pai grande como dizem os irmãos angolanos e vai marcar a viragem para um novo estilo e fusão entre géneros tradicionais e modernos, mas vai acima de tudo marcar a volta para a fonte como disse o nosso saudoso NORBERTO TAVARES.
Uma das grandes composições neste género foi escrita pelo nosso exímio compositor e instrumentista KATCHAS com uma interpretação sublime do nosso “rei de funaná” ZECA DE NHA REINALDA, que eternizou o TÓ MARTINS! Alguém já está a questionar o que tem a música BELA do DJODJE com a música TÓ MARTINS de KATCHAS? Digo vos, tudo! É o FUNANÁ LENTO, isso mesmo o FUNANÁ LENTO! Um género cabo-verdiano nomeadamente do interior de Santiago, que serviu de suporte para expressar as lamentações e os sentimentos mais tristes do “BADIU” daí que outrora, a maioria das músicas feitas neste género era sobre as tristezas, dores e perdas. Como exemplo de composições mais antigas no mesmo género temos o FOME 47 do CODÉ DE DONA, “o último filho da mãe”, como ele mesmo se auto apelidava, mas há muitos outros exemplos de músicas mais antigas feitas neste género como é o SEMA LOPI e tantas outras como as que referi anteriormente, mas também temos composições mais recentes da década de `90 e `2010, que posso destacar como exemplo a música KA BU FRONTAM do MENO PECHA, a música FRONTA MARIA da GUTTY DUARTE, a música CA TA OBI de NILDSON L`LILA e ainda mais recente em 2018 a música PREPARADO dos CALEMA com RAPAZ 100 JUIZ, são todos exemplos de músicas do género funaná lento. Outro género que também tem sido explorado pelo DJODJE, neste caso posso até dizer que pela família MARTA é a “COLADEIRA”, com uma cadência mais para KIZOMBA e o exemplo é a música KRIOLA (rainha africana) do DJODJE e a música “BOA” do MÁRIO MARTA. Tanto um género como o outro tem na base a música tradicional de Cabo Verde (o funaná lento e a coladeira), mas deixo a explicação técnica para quem percebe.
Voltando para a música BELA posso vos dizer que vai marcar a viragem para uma nova roupagem do funaná lento ou até um novo estilo mais voltado para pista e que de certeza vai dar muito que falar pelo seu compasso, no entanto a forma sensual de dançar não será diferente. É um agitar por dentro pelo feeling dos instrumentos e ao mesmo tempo ter que conter as emoções para que tudo possa estar em harmonia. Pode-se sentir um baixo bem presente e harmonioso com a bateria, uma gaita característica do género e um ferrinho bem presente, que pode ser escutado mais claro no início. Se por um lado esta BELA tem na base o FUNANÁ LENTO por outro lado podemos também dizer que há influências dos outros géneros mais recentes como a KIZOMBA com a sua cadência e o SOUKOUS através da guitarra africana que tem marcado presença em quase todos os géneros atuais.
Esta música chama a atenção e reivindica um espaço para a reflexão sobre a importância da valorização do tradicional mas também convoca a todos os agentes musicais Cabo-verdianos para o registo, catalogação e divulgação dos géneros musicais existentes no arquipélago. A música não tem fronteiras, pode-se fundir géneros e géneros e géneros, mas há sempre uma base que a compõe, por isso este texto não é a reivindicação da paternidade de um futuro género mas sim uma constatação de que é preciso seguir de perto e com mais atenção as tendências e evoluções que as novas músicas tem seguido porque começa a ser necessário inventariar todo esse património imaterial e histórico, criar manuais que servirão de apoio ao ensino da cultura Cabo-verdiana atualmente e no futuro. Se no passado não houve a preocupação de registo técnico e cuidado porque a importância e a atenção na altura estava mais virada para a popularidade do que para a propriedade intelectual, hoje temos mais meios, estamos melhor preparados e mais cientes das nossas responsabilidades enquanto agentes culturais pois o contexto é outro.
Praia, 21/09/20
Valdirdivad
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