A minha vida mudou!
Texto postado por José Luiz Neves no Facebook...
SEIS ANOS DEPOIS…
No dia 30 de Dezembro de 2014, cinco meses depois de a minha filha Aylah Maria Neves ter nascido, eu sofria um violento atentado a tiro, uma brutalidade que por pouco não colocou fim à minha vida. Foram tempos nada fáceis!
Praticamente um ano depois, em Fevereiro de 2016 eu perdia a minha mãe Maria, vítima de doença prolongada. O atentado que sofri abalou profundamente a minha mãe e o ano de 2015 foi um ano de grande sofrimento para ela, ao mesmo tempo que a implacável doença a ia consumindo até ao fim. Quando ela partiu, as minhas irmãs disseram-me que quando eu estava entre a vida e a morte ela rezava todos os dias, incansavelmente, e pedia a Deus que me salvasse e que em troca a levasse. A minha mãe amava-me, talvez as suas preces foram ouvidas e hoje ela “repousa lá no céu eternamente” e eu “vivo cá na terra sempre triste”, com a prematura partida dela. Só as mães amam desse jeito!
Hoje, volvidos seis anos sobre o atentado é grande o amor e a afetividade que existe entre eu e a Aylah. Quando a vejo a brincar, imbuída da sua inocência de criança, invade-me a mente que se eu não tivesse resistido, ela nunca teria a oportunidade de conhecer o Pai e fico a pensar como é que a mãe dela se desenvencilhava, quando ainda nos primeiros anos de vida, ao começar a ganhar consciência das coisas, mas ainda sem poder perceber a vida, ela começasse a perguntar pelo Pai. Mas também penso no meu filho José Luís Neves Júnior e na minha filha Anair José Neves, no grande amor que nutrem pelo Pai, como é que teriam ficado se eu tivesse partido…!?
Desde então, sempre que oiço notícias que um Pai ou uma mãe partiu e deixou filhos menores, o meu coração fica dilacerado e um turbilhão de pensamentos voltam a invadir a minha mente. “Só há duas certezas na vida” – disse benjamim Franklin – “morrer e pagar impostos”. O que nunca consigo entender é como é que um Ser Humano consegue ter a coragem de decidir que quer pôr termo à vida de um seu semelhante e fá-lo-á com as suas próprias mãos ou por interposta pessoa, deixando pais sem filhos e filhos sem pais. Existirão razões que justificam que um Ser Humano decida retirar a vida a um outro Ser Humano?
Mas resisti! A minha salvação foi um autêntico milagre. Lembro-me quando acordei do estado de coma, cerca de 15 dias depois, o médico chefe de equipa que cuidou de mim em Lisboa ter-se aproximado de mim e ter-me dito – “José Luís, aqui neste hospital, impossíveis nós fazemos todos os dias, mas milagres só de vez em quando e hoje aconteceu um milagre”. Mas estive cara a cara com a morte, sou testemunho da fragilidade e da insignificância do ser humano, e a minha visão do ser humano, da condição humana, da vida e do mundo mudou radicalmente.
A minha vida mudou! Tornou-se praticamente impossível passar-me despercebido aonde quer que eu vá, tal foi mediatização do caso, tanto a nível nacional como a nível internacional. Afinal, o filho do Chefe de Governo de Cabo Verde tinha sofrido um atentado. Claramente não sou a mesma pessoa. Não era fácil retomar a vida normal. A recuperação foi lenta e dolorosa. Mas eu só tinha duas opções: resignar-me ou continuar. Esta era uma decisão que ninguém podia tomar por mim. Decidi olhar em frente e continuar a caminhada, retomar a minha vida pessoal e profissional e assumir as minhas responsabilidades como Pai e cidadão deste País.
Agradeço a Deus todos os dias o facto de me ter concedido uma nova oportunidade de viver. O suporte da minha família - do meu pai, da minha tia, dos meus irmãos e de todos os meus familiares - foram e tem sido decisivo para a minha recuperação. Quando assumi as minhas funções de Secretário Geral da Câmara de Comércio de Sotavento, em Março de 2015, muitas vezes pensei em desistir e pedir a minha demissão. Sentia-me frágil naquela altura, as recaídas e os internamentos eram frequentes, mas os meus colegas, o Presidente e todos os dirigentes foram inexcedíveis, deram-me um apoio incondicional, sem o qual era impossível eu continuar. Desde então, tenho também contado com um grande afeto e carinho e uma grande solidariedade de toda a sociedade cabo-verdiana. Descobri que os cabo-verdianos são afetivos e solidários.
Seis anos depois, sinto-me grato por tudo e feliz por ter conseguido superar, física e psicologicamente. Sim, podemos superar as adversidades e transformar os contratempos em grandes vitórias. Pratico a máxima de não focar no passado que não posso mudar, mas no futuro que ainda posso construir. Não sei quem me fez mal e me causou indescritível sofrimento, mas não sinto nem ódio e nem rancor. Os meus sentimentos são de amor e de perdão e só vejo a beleza em todas as circunstâncias da vida. Trabalho diariamente em busca de uma melhor versão de mim, tanto a nível pessoal como a nível profissional. Não sou ainda o que eu quero ser, mas sinto que sou melhor do que costumava ser, em relação aos meus filhos, aos meus familiares, amigos, colegas de trabalho e em relação ao mundo.
Há muito que Cabo Verde já não é "Ilhas perdidas / no meio do mar / esquecidas / num canto do mundo/ que as ondas embalam / maltratam / abraçam...", como poetizou Jorge Barbosa. Mas amo infinitamente este meu País, "ês dez grãozinho di terra ki Deus spaiá na mei di mar", como cantou Cesária Évora.
O meu desejo é dar a minha contribuição para que seja um País melhor, mais próspero e com oportunidades que podem ser partilhadas de forma equitativa por todos os seus filhos.
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