para Neusa “tudo está escrito” obedecendo a uma força superior
TRILHANDO SEU PRÓPRIO DESTINO
“Kada kria di Nhor Dés ben ku di sel na piskôs”.
Será?
Será que como canta Neusa em “Conberso cu Destino" cada um de nós nasce com destino traçado ou será que com nossa força de vontade e nosso livre arbítrio podemos escrever nossa própria historia?
Encontrar uma resposta para esta pergunta não é fácil, mas o certo é que todos os acontecimentos nas nossas vidas têm um fundamento causal, geralmente muito intrincado e abarcando diversos episódios precedentes, próximos ou remotos no espaço e no tempo (por exemplo se a mãe de Neusa não tivesse trocado a Ilha do Fogo pela cidade da Praia na década de oitenta Neusa nunca teria nascido na capital cabo-verdiana e possivelmente nunca teria sido “descoberta” por Djo da Silva 24 anos depois).
Mas talvez seja esse “destino” de que fala Neusa que também colocou Djo da Silva no seu caminho - tal como no de Cesária Évora – mas nesse caso seria também esse mesmo “destino” que fez da Neusa órfã de mãe aos seis anos e órfã de pai um ano depois. Ou que colocou no seu caminho um predador sexual que por duas vezes a violou aos 11 anos como contou recentemente numa entrevista.
O “destino” de Neusa na realidade dá para escrever um livro e ela pretende fazê-lo. Para contar como viveu sua infância na humilde casa de palha na cidade da Praia ; Para contar como sua mãe a deixava em casa ao cuidado das irmãs para ir cantar nas noites da cidade em troca de comida e tabaco; Ou ainda como aprendeu com a mãe a interpretar a alma foguense. Ate que o câncer as separou. Neusa foi depois criada pela sua madrinha, sempre entre Praia e Fogo.
RESPOSTA DO DESTINO
E como para Neusa “tudo está escrito” obedecendo a uma força superior – essa mesma força que faz cantar como dizia Roberto Carlos – como nada acontece ao acaso, as suas escolhas e decisões individuais são também para ela a resposta do próprio destino à fatalidade da vida que não tem necessariamente que ser fatal.
Só é fatal o que escapa à nossa vontade, e a vontade de Neusa é não ver mais crianças a serem violadas na intimidade como ela foi, é não ver abusadores impunes ou com pena reduzida, é contribuir também para que crianças possam crescer como crianças sem traumas que acompanham uma vida toda.
E se Neusa só agora resolveu contar esse episodio da sua infância é -como ela diz - também para encorajar outras que passaram ou que estejam a passar pelas mesmas dificuldades em reconciliar o passado com o presente.
“Enquanto ficamos em silencio não resolvemos nada” – diz ela, confessando que ao contar publicamente que foi violada na infância tirou algo que estava preso dentro de si e que a impedia de avançar.
É certo que contar o que sucedeu pode ajudar a superar o trauma, mas Neusa não quer ficar sentada assistindo impávida às noticias quase diárias de crianças violadas ou à saga das mulheres violentadas.
E como “nada acontece ao acaso” talvez seja por isso que ela mesma está a estudar Justiça Criminal nos Estados Unidos onde reside, e é certamente para isso – para mudar o estado das coisas - que vem desenvolvendo vários projetos sociais quer com crianças orfãs quer com mulheres chefes de família em Cabo Verde.
Mãe de uma filha de 16 anos e de uma outra de três, Neusa ainda se desdobra para gerir a marca de roupa que ela mesma criou e de fazer musicas como “Conberso cu Destino” que ela escreveu há algum tempo sob céu estrelado da ilha Brava. Mas o seu destino – o destino de Neusa – talvez não esteja escrito nem no céu nem nas estrelas. Está em si mesma. fonte:ok
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