Ele critica o estado atual de uma certa corrente musical em Cabo Verde, a qualidade e o sucesso são medidos pela quantidade de likes e visualizações.
Devil K, A Rebeldia Poética que Desafia o Imediatismo Musical - por Mario Loff
Nas ruas silenciosas de Tarrafal, onde o vento carrega histórias de resistência e memória, desde o monte Graciosa até à encosta da morada de Nhu Simplício, surge Ivan de Macedo, mais conhecido no submundo do rap como Devil K. Não é apenas um rapper; é um verdadeiro cronista das verdades cruas e das realidades ignoradas por muitos. Atualmente residindo na Inglaterra, Devil K leva consigo as batidas do seu passado, moldado no coração de Santiago, onde Tarrafal, com sua história profunda e suas ruas vibrantes, foi o seu primeiro palco. Como Tupac Shakur afirmou, "Eu sou um reflexo da comunidade", e Devil K não poderia concordar mais. Suas letras são espelhos dessa comunidade, retratos fiéis de uma realidade onde a luta pela sobrevivência e a busca por identidade se entrelaçam.
Em uma conversa recente que tive com Devil K, refletiu sobre sua trajetória e a evolução de sua música. "É interessante para um artista fazer uma análise de si mesmo sobre o antes e o depois," afirmou ele. "Agora que estou mais calmo e menos receoso ao fazer e pensar a música, percebo que muitas das canções que fiz não estavam prontas e nem eram necessárias na altura. No entanto, já estão feitas, mas há sempre espaço para melhorar."
Ele critica o estado atual de uma certa corrente musical em Cabo Verde, onde a qualidade e o sucesso são medidos pela quantidade de likes e visualizações. "Isso prejudica grandes artistas que estão no mercado, mas cujas músicas não se adaptam a essa tendência de imediatismo," diz Devil K. "Eu faço música sem me preocupar com este desespero que hoje em dia é tão importante e muitas vezes devastador para a arte. Se hoje estás no topo, amanhã podes ser esquecido. É a espetacularização da arte e das modas passageiras. Mas um verdadeiro músico e artista jamais será esquecido, pois a música bem feita ultrapassa esses fenómenos."
Com mais de uma década na música, Devil K lembra-se dos colegas com quem começou. Muitos já pararam, outros ainda resistem, e alguns optaram por criar músicas momentâneas que rapidamente caem no esquecimento. "Não os condeno," diz ele, "mas o tempo mostrou-me que a música ultrapassa a mera composição; tocar e cantar é uma fotografia que se eterniza, é um aprendizado eterno e completo. A minha rebeldia sempre me ajudou a ir contra a corrente estabelecida, a desafiar a repetição constante."
Ele acredita que a originalidade tem sido rara na última década. "Digo isto porque aprendi a ser exigente com as minhas criações. Quem se torna exigente perde o grande público, perde a massa. A massa nem sempre está preparada para ver, sentir e apreciar o valor do momento. Eu aprendi que a música que educa e cria valores ultrapassa likes e curtidas; ela torna-se uma arma de resistência e luta de um país, de uma nação." Como Fela Kuti afirmou, "A música é a arma do futuro," e Devil K empunha essa arma com sabedoria e propósito.
Devil K reflete sobre sua própria evolução: "Nasci Ivam Macedo e tornei-me Devil K. Do centro de Mangue à Ponta Lagoa e Cutelo, e depois na cidade da Praia, eu fiz-me gente, com o bem e o mal, tornei-me homem. Tenho um nome registado na cultura cabo-verdiana, em especial no cenário musical da minha cidade, amada Tarrafal, sou um poeta urbano, agora mais consciente das responsabilidades. Fazer cultura é uma grande responsabilidade, porque exige que primeiro te eduques para educares os outros."
Residente em Inglaterra, Devil K partilha sua filosofia de vida: "Um homem deve rodear-se de pessoas que o amem, mas também deve saber amar. Para isso, é preciso deixar-se transformar por dentro, e o amor tem sido isso: o grande remédio. Sem amor e coragem, é difícil para os cabo-verdianos não repetirem as mesmas rotas e destinos de há mais de cem anos, que têm sido recorrentes devido à emigração."
Para os novos artistas, ele aconselha: "Não lancem música só por lançar. É importante amadurecer cedo na música, formar-se ouvindo os outros, pedir conselhos, falar, perguntar, praticar autocrítica e pesquisar e sentir o valor da decção. Isso é apenas o começo. Um verdadeiro músico faz arte e vive pela música com responsabilidade, tornando-se um guia, sendo ele mesmo guiado, conduzindo os outros. É um homem que escolheu vestir-se de humildade, mas com coragem."
Devil K conclui com uma reflexão sobre a cultura cabo-verdiana: "As criações musicais em Cabo Verde de alguns géneros, são pouco ouvidas pela classe intelectual, porque a maioria dos nossos artistas não lê. E a leitura é uma das partes fundamental na criação. É muito importante termos um país com uma cultura de leitura para evoluirmos e darmos um grande passo em frente."
Com suas palavras e sua música, Devil K continua a levar consigo as vozes de Tarrafal, as dores e esperanças de um povo que nunca se rendeu. Como Jay-Z disse, "A grandeza está em levantar-se de manhã e fazer algo que você acredita", e Devil K acredita no poder transformador da música, mantendo viva a chama de uma cultura que se recusa a ser silenciada e que luta para sobreviver e florescer.
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