É preciso recuperar o tradicional, a intimidade de um povo reside ali.
Dizia o senhor Pazi
Eu tinha um pombo, o Kurkutada, que passeava pela casa da minha mãe e enchia o peito quando o meu irmão passava. Essas coisas de intimidade chegam com uma facilidade incrível ao coração. Como saber? Se o coração é um objeto valente que pulsa, se surpreende e nos surpreende, por momentos, segura o mundo.
O meu irmão está na fase da puberdade e o meu pombo, o Kurkutada, sentia-lhe os pelos a furarem as calças largas, numa altura em que ser "tug" era usar roupa larga, sem a ideia de que a violência deveria chegar ao corpo. Andávamos fora das lides da cidade.
Descíamos pelas bandas de Binbirim, e só às vezes ele cantava um som distante da cimboa, coisas de carimbó, de Nhu Ongenio. Nhu Ongenio é um génio, e a sua engenharia tem-se apagado na sua própria velhice. Idade são números grandes que se manifestam no reumatismo, dores pesadas, silêncios maduros, dias longos. O poeta Júlio Soares confidenciou-me que fazia cimboa, contava histórias tradicionais, mas falta-lhe quem o coordene. Ele só sabe fazer quando chamado.
Essas vontades andam a perder-se. É preciso recuperar o tradicional, a intimidade de um povo reside ali. O íntimo é como a guerra de um pombo cheiroso. Bem, além de reparar que nestes dias tenho saudades do meu Kurkutada bem argentino, também sinto falta dos meus diálogos literários com o irmão e professor Ulisses Semedo.
O homem anda contente nestes dias e já há muito que as madrugadas não nos ouvem falar sobre Melville, Joe Cuker, Scott Fitzgerald, velho Tchalé e as insistências do velho Mário Silva em ter uma literatura mais recente com o Pedro Cardoso. Contemplo, com exagero, as imagens do fotógrafo Gabriel Lopes da Costa que ainda não fotografou os kurkutadas de ganxenba.
Talvez nem fosse tão cimboa, ou tão mandamento para a senhora boa que ele, o meu irmão, anda a distribuir, aqueles cheiros fortes que o meu Kurkutada denunciava-lhe pelo silêncio. Vitorino Nemésio dizia que o silêncio é o peso de Deus.
Aposto que ele anda a medir o silêncio de muitos bons homens que andam calados como o sovaco do meu irmão, mas, há coisas que cheiram, diante do óbvio, e recusam-se a manifestar-se.
Tem tempo que os intelectuais têm de intervir em nome da nação. Digo eu que não há nada para ser descoberto, a não ser pela noção das coisas numa geração elástica. Bem, Albert Einstein dizia que cada nova descoberta da ciência é uma porta nova pela qual encontro mais uma vez Deus. Por momentos, não deve o senhor dono de tudo isso ser só deus, é mesmo necessário juízo e um bom toque de chalala lá pelas bandas de Achada Moirão.
Tempo de Txuku, ku Futi, genialidade Txu de Txa Moron, o Físico e o meu querido primo Tuleni e umas conversas em francês com o velho Francisco. Era uma conversa brava, dizia o Pazi, hoje mestre de obras. O tempo fala por si, se fores um malandro, meu filho, o tempo fala por si.
É bem provável que a maioria deles já tenha um lado, e se nessa raça os lados passam a ter cor, a nação adoece, empobrece, e outras coisas menos científicas se perdem no desinteresse. Nisso, falo como quem está prestes a perder um dedo, de que eles vão cansar gota a gota. Como me tenho chicoteado em apostas vazias pelas suas vozes.
Mario Loff
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