a crença na eternidade tem o seu charme, sobretudo quando não se paga imposto por ela.
Por Mário Loff
De regresso à terra para uma missão temporária—como quem volta à infância para perceber que o baloiço afinal é mais pequeno do que se lembrava—, a minha amada assegurou-me que nunca haveremos de nos separar. Eu, sempre cético, deixei-me levar. Afinal, a crença na eternidade tem o seu charme, sobretudo quando não se paga imposto por ela.
O senhor Graciosa, esse ilustre obstinado, continua a sua luta solitária contra os ventos, como se fosse possível domar um furacão com fita adesiva. É uma guerra antiga, tão absurda quanto apaixonante: de um lado, a vontade de compreender o oceano; do outro, o oceano a rir-se na cara dos que tentam. Mas ali, entre as pedras e as marés salgadas, alguém fala de Joy Bona, esse destemido que foi até ao horizonte e voltou com teorias mirabolantes sobre repositórios travados e contrários que tardam a destacar-se. Seja como for, há uma decisão tomada: este lugar vai tornar-se o epicentro literário e intelectual do país. Estou certo ou estou errado?, pergunta um jornalista boca de fogo, com a convicção de quem já tem a resposta mas quer ver-me suar.
E foi assim que, numa noite qualquer, uma nova palavra começou a pairar na cidade. Tímida, mas teimosa, como quem se infiltra numa conversa sem ser convidado. Era uma palavra contra a cacofonia reinante—essa orquestra desafinada de vozes, ruídos e opiniões que nunca chegam a consenso. Mas, dentro da cacofonia, há tarrafalenses. E, entre os tarrafalenses, há orgulhosos. E, entre os orgulhosos, há os que se tornaram algo mais: cacofônicos orgulhosos tarrafalenses. Uma nova espécie, uma raça híbrida dedicada à arte de fazer coisas à rasca e de se reinventar à beira do precipício. Vivem num estado de constante superação com IVA incluído.
Na manhã seguinte, dei por mim em ginástica nostálgica no polivalente "Estádio Bulúria", que, apesar do nome pomposo, continua um sítio onde os dentes se soltam da boca e os buracos gritam afrontas aos que ousam ignorá-los. Dois miúdos chutam uma bola contra a parede, a criar um eco triste e metálico. Há um vazio estranho, daqueles que fazem pensar se somos reféns da liberdade ou se a liberdade é refém de nós.
Berenice, por sua vez, continua irritada com a bancada. Há 500 anos que aquele lugar a incomoda, e se há coisa que não se pode acusar os tarrafalenses de fazer é esquecer afrontas. Todos foram embora, menos a taralocacofonia—essa teia de longas telefonias que se estendem de Buraka a Kidje Bitxu, carregadas de notícias que desmentem todas as notícias anteriores. No final, a conclusão é sempre a mesma: as coisas nunca são como dizem que são. Mas uma coisa é certa—as cachasofonas são mesmo marafonas com canas de ganas afiadas no quintal de uma qualquer forminga que não para de banhar-se na praia do Presidente Pereira.
E o Tarrafal, no meio disto tudo, segue, entre o épico e o absurdo, sem se importar com o que achamos dele.
Ml
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