havia apenas 10% de probabilidade de termos um bebé saudável.
História de caboverdiana Djamila Costa Gomes, contada na página Nós nos Outros
“Nasci em Cabo Verde há 28 anos. Aos 22, vim a Portugal de férias. Estava então no 1º ano de Economia, que não cheguei a acabar. Gostei tanto de aqui estar que arranjei trabalho como empregada doméstica interna em Cascais. Senti que em Portugal conseguiria ter uma vida que em Cabo Verde era difícil.
Estive nessa casa quase 3 anos, cuidando de três crianças. Só cá tinha uma tia, mas que reside em Alcobaça, onde trabalha como empregada doméstica, como eu.
Dois anos mais tarde conheci um rapaz no Facebook. Da amizade à paixão, não demorou. Ele é português, sem quaisquer raízes africanas, o que nunca foi um problema nem para nós, nem para as nossas famílias, quando começámos a namorar. Quando decidimos ir viver juntos, deixei de trabalhar como interna. Queríamos muito formar uma família, ter um bebé.
Por isso, quando soube que estava grávida, a nossa felicidade foi imensa. Toda a gravidez correu bem, todos os exames perfeitos - era o que nos diziam - até à última ecografia. Só então nos disseram que a bebé tinha muito líquido na barriga. Não percebemos bem a gravidade da situação. Sei que fui imediatamente internada de urgência. Às 38 semanas fizeram uma amniocentese, conseguindo extrair líquido da bebé para análise. Esse exame provocou uma paragem cardíaca na bebé e um parto antecipado. Aquele líquido todo que ela tinha foi-se espalhando e a minha bebé viveu… (comoveu-se)… quase uma semana. Entre outros problemas, tinha malformação dos rins. Entrei em depressão profunda.
Foram feitos todos os exames possíveis, até que verificaram que ela tinha translocações dos cromossomas 7 e 12: uma doença genética, com raíz hereditária. Eu o meu marido fizemos testes e verificou-se que ele tinha essa anomalia, sem nunca o saber.
Disseram-nos que todos os bebés que tivéssemos iriam sofrer do mesmo problema. Ou melhor, que havia apenas 10% de probabilidade de termos um bebé saudável.
O desejo de sermos pais era tão grande, que nos agarrámos a esses 10% e tentámos uma segunda gravidez, esta já mais acompanhada. Aos 4 meses de gravidez, uma ecografia e uma nova amniocentese traçaram o destino da nova menina que se formava…”“O resultado dos exames não podia ser pior. As malformações cranianas eram muito graves - microcefalia, lábio leporino,… - e os médicos foram claros: a gravidez teria de ser interrompida. Nova depressão, resolvida com apoio psiquiátrico.
Foi então que nos disseram que a única possibilidade seria fazer inseminação artificial, para selecionarem um embrião perfeito. Esse processo custaria 10.000€. Não olhámos a esforços para conseguir juntar esse dinheiro. Não podíamos desistir do nosso maior sonho!
Programámos o processo para Fevereiro de 2019. Mas o mais inesperado aconteceu: nesse mês fiquei novamente grávida, sem o planear. Ficámos incrédulos! E agora? Vamos ter de abortar para iniciar o processo de fertilização? Aí, a médica que nos assistia disse-nos: “Agora já está! Não vamos interromper sem saber! É esperar para ver!”
Passaram os primeiros meses, nova bateria de testes e o milagre… aconteceu! A nossa bebé - a menina que tinha de ser - era perfeitinha. Nenhuma anomalia. Nasceu linda! Já tem um ano e meio e continua linda, linda, linda!
Muitas pessoas já terão passado pelas mesmas angústias, e muitas outras passarão. Mas vale a pena nunca perder a esperança. Às vezes, os milagres acontecem!
Nunca em momento algum me ocorreu separar-me para ter filhos de outro homem. Se há um problema, ele não é de um só, é sempre do casal. Além do mais, tenho um marido fantástico, sempre conciliador, um grande parceiro. A minha maior sorte é tê-lo na minha vida. Agradeço todos os dias pelo pai, marido e amigo que ele é.
Há 3 anos arranjei um outro trabalho doméstico onde também sou muito bem tratada. Tomo conta de duas crianças - que adoro - uma delas uma menina que faz 2 meses de diferença da minha. Sei que passo o dia a tratar dela, quando tenho de deixar a minha na creche. Mas se eu tenho de trabalhar para lhe dar o melhor?! E que importa, se sou tão feliz? Que importa se tenho um marido inexcedível e uma menina linda, que contrariou as maiores probabilidades? Ela veio ensinar-me a ser positiva e a acreditar que o impossível não existe. Que posso eu sentir senão gratidão?”
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